Segunda-Feira

Marchava em direção à estação em passos sólidos e profundos, não só esperando, mas torcendo e orando com todos meus deuses e dentes para que uma cratera se abrisse de repente sobre meus pés e me engolisse. Cairia num bueiro, esgoto, túnel, caverna, que seja; não me importa desde que me quebre alguns ossos. Não muitos – um só, se possível. O pulso talvez, o da mão esquerda. Ou um maior, daqueles com nomes esquisitos que fazem a gente ficar de pé. Na verdade também não ligo, desde que seja o suficiente para que me condecorem com o bendito papelzinho brilhante e bem-assinado que comprova minha infortuníssima incapacidade de trabalhar pelos próximos quarenta e cinco dias. Sessenta com sorte. Diria até mais, porém suspeito que corra o risco de mandarem me assassinar só para que não precisem pagar meu salário.

Mas enquanto pondero sobre a maior quantidade de ossos que posso quebrar antes de ser assassinada, tropeço em uma falha entre os paralelepípedos e quase caio. Quase. Porque logo minha perna se reequilibra involuntariamente e estou de novo no caminho da estação. Que ódio que tenho, que raiva, impiedosa fúria de romper os músculos cardíacos, tão capaz em si própria que me faz vociferar palavrões e assustar as pombas com o olhar. Mando todas para o inferno. Quando não queria que funcionassem, meus pés se estabeleceram no chão de forma tão firme durante a possibilidade da queda que nem o mais malditos dos terremotos me faria cair. Maldito sejam eles, os pés, não os terremotos. E as pernas. E a coluna e todos os ossinhos desgraçados e resistentes que me mantém de pé e me fazem continuar a andar.

Atravesso no sinal vermelho esperando ser atropelada por um ônibus ou talvez um caminhão, daqueles cheios de entulho, tanto entulho que as rodas criam um rastro amassado no asfalto e fazem um abalo sísmico em alguma ilha perdida no Atlântico. Mas não, os carros – porque para minha felicidade não há um único caminhão – esperam eu passar pacientemente e nem sequer sou xingada pelos motoristas, como se todos tivessem se esquecido que hoje é segunda-feira e que dirigem em São Paulo. Mando-lhe todos ao inferno quando chego a outra calçada.

Já a poucos metros da entrada da estação sinto-me prestes a chorar. Espero ter um ataque cardíaco ou um surto de psicose, mas nada. Nadinha. Leio a placa sobre o arco de concreto maciço: “abandone toda a esperança os que aqui entrar”. Arrepio. Como último recurso, busco meu celular e deslizo de uma tela para a outra em meu vagar arrastado, finjo tirar selfies e até incorporo as blogueiras da Avenida Paulista. Mas não adianta, todos os assaltantes dessa cidade estão de folga hoje e eu terei que trabalhar em seu lugar.

Tarde demais para mim. O portão do inferno está passado e não resta mais nada além de viver.


12/08/24 - para Duda