Entre dedos estendidos e palavrões, a lágrima foi decendo até regar meus cabelos. Olhei pra cima e te vi. Você estava com aquela calça jeans cheia de ragos por onde se via uma infinita vermelhidão de carne. Pensei que viesse até mim em busca de cura, mas quando expliquei que meu corpo era mais faca que faixa, você balançou a cabeça e riu. Aquela risada de gente inocente, boba, mas que não tinha nada de inocente nem boba. Não, você queria que eu espremesse a laranja. Queria que eu a cortasse, tirasse pedaços pelos furinhos da jeans e depois comesse. E como resistir? Antes que pudesse reter a seringa, a agulha já penetrava sua medula óssea. Maldito sangue. Nem a mais forte das pílulas acolhia um pingo do seu sabor. De uma hora pra outra deixei de ser de barro para me tornar barro. Bebia dos seus dedos, chupava seus lábios, amanhecia, todos os dias, a partir das lágrimas derramadas dentro de mim. E não fossem as tripas que se espalhavam por onde quer que fossemos, teriamos nos consumido até o fim dos tempos como matéria e antimatéria até não restar nada além de uma delirante luz orgânica. Mas no final, a pele alheia venceu. Apesar de nossas fibras e músculos e tendões e orgãos, a pele continuou a contaminar-nos até cobrir as unhas e dentes. Antes que pudesse me dar conta, já eramos duas cascas de plaquetas e tecidos separadas por uma distância que nenhuma lâmina alcançaria. Nos olhamos uma última vez. Te disse que compraria uma calça nova e você nunca mais sangrou.


07/08/24